sexta-feira, 21 de dezembro de 2007

A terceira revolução industrial - Roberto Campos

A terceira revolução industrial
Roberto Campos
Folha de São Paulo, 4 de julho de 1999

É costume entre os historiadores econômicos falar-se "na sociedade industrial", que massificou a produção de mercadorias. Ela se transformou depois na sociedade pós-industrial, em que a atividade de serviços, como geradora de renda e empregos, superou a atividade industrial.

O último estágio seria a sociedade do conhecimento, em que a criação, distribuição e manipulação da informação constituiriam a principal fonte de criação de riquezas. É a economia digitalizada, em que os bits compõem o tecido econômico, da mesma maneira que os átomos compõem o tecido físico.

É tal o crescimento da economia digitalizada, que muitos preferem falar hoje numa terceira revolução industrial. A primeira revolução industrial, que começou na Inglaterra no fim do século 18 e depois se expandiu pelo resto do mundo no século 19, teve como emblemas a máquina a vapor, a indústria do aço e as ferrovias, que trouxeram drástica redução no custo do transporte de massa.

A primeira ferrovia americana data de 1826, e a construção da malha se intensificou depois da Guerra de Secessão, tornando obsoletas as carroças, de pouca velocidade e volume de carga, e os canais, que congelavam no inverno.

Entretanto, os saltos de produtividade só se materializaram de forma dramática por volta de 1880. Foi também quando começou a segunda revolução industrial, baseada na eletricidade e no automóvel. O impacto sobre a produtividade só se tornaria espetacular na década de 20, após a Primeira Guerra Mundial.

Também na terceira revolução industrial - a da tecnologia da informação - houve um período de maturação. Os computadores começaram a ser comercializados na década de 50, mas o impacto revolucionário sobre a produtividade só se tornaria claro na atual década. Durante muito tempo o investimento em computadores parecia desapontador, a ponto de Robert Solow, um teórico desenvolvimentista, dizer que os computadores apareciam em toda a parte "exceto nas estatísticas de produtividade".

Na década de 80, falava-se no decadentismo americano e na ascensão tecnológica japonesa, situação totalmente reversada nesta década, que marcou a vitória americana na Internet, essa sim uma "revolução dentro da revolução". Em termos de velocidade de expansão do comércio pela Internet, os Estados Unidos têm dois a três anos de avanço sobre Canadá, Grã-Bretanha e Alemanha e entre quatro a cinco anos sobre Japão, França e Itália.

O Brasil, grotescamente subinformatizado, paga até hoje o preço da insensata política de informática, praticada pela SEI por atos normativos sem base legal entre 1975 e 1984, sancionada pela Lei de Informática, de outubro de 1984, e sacramentada pela "Constituição besteirol" de 1988.

Segundo os "World Development Indicators" do Bird, o Brasil é o menos informatizado dos grandes países da América Latina. Tinha, em 1996, 18 computadores pessoais por mil habitantes, contra 45 no Chile, 29 no México, 25 na Argentina, 23 na Colômbia e nada menos que 362 nos Estados Unidos.

A situação era um pouco melhor (dados de 1997) em termos de acesso à Internet, com 0,4 internautas por mil habitantes, nível igual ao do México, mas inferior aos de Chile (1,3) e Argentina (0,5). Os Estados Unidos naturalmente estão anos luz à frente, com 44,2.

Não é de se estranhar que o Brasil seja hoje um exportador pouco dinâmico. É que cada vez mais o comércio internacional é um fenômeno internáutico. O comércio na Internet é hoje chamado de "comércio dinâmico", pelo seu hipercrescimento. Estima-se que o comércio pela Internet entre empresas duplique cada ano, passando de US$ 43 bilhões em 1988 para US$ 108 bilhões em 2003.

As empresas têm sido sujeitas nos últimos tempos a enormes choques de produtividade, por meio de "outsourcing", "downsizing" e "reengineering". Agora têm que absorver a tecnologia do "networking". As inovações tecnológicas começaram a produzir inovações semânticas.

Na distribuição comercial, o papel exercido pelos "intermediários" é hoje substituído pelo dos "infomediários", os quais, providenciando amplo acesso a informações sobre supridores alternativos, acabam fomentando o relacionamento direto entre fornecedores e usuários.

É o caso da fábrica de computadores Dell, que concilia a produção em massa com o atendimento de preferências individuais dos usuários. Os "infomediários" acabarão assassinando os "intermediários". E surgem a toda hora novos conceitos e atividades como o teletrabalho, a telemedicina, e a "cadeia de valores integrados".

Um dos principais efeitos do comércio feito pela Internet, além do surgimento de empresas "virtuais" (como a livraria eletrônica da Amazon), é transferir poder dos "vendedores" para os "compradores". Esses poderão, com um toque do mouse, mudar de fornecedores e acessar miríades de informações sobre produtos alternativos. Um outro efeito é a redução dos custos de transação.

Esse barateamento tem um efeito expansivo sobre a atividade econômica e é parte da explicação do sucesso americano em conciliar baixa inflação, baixo desemprego e rápido crescimento. Um terceiro efeito é a descoberta de novas possibilidades comerciais pela acessibilidade de informação via Internet. Um quarto efeito é a desverticalização industrial, passando as empresas a ser coordenadoras eletronificadas da montagem de peças de centenas de fornecedores especializados.

No mundo do comércio eletrônico, as velhas e simples estratégias comerciais - expulsar competidores, espremer fornecedores e explorar a ignorância dos consumidores - não mais funcionará, graças à amplitude, acessibilidade e barateamento da informação.

Estamos ainda longe de perceber as plenas implicações da terceira revolução industrial da Internet. Elas imporão, por exemplo, uma revisão dos cânones tributários clássicos. Numa economia globalizada, com mercados financeiros intercomunicantes, as empresas podem decidir alocar a geração de lucros aos países de ambiente fiscal mais benigno.

Ou intensificar, na composição da produção, a montagem de peças produzidas em países de fiscalidade mansa. E certamente o comércio internáutico é incompatível com as 27 legislações estaduais do ICMS brasileiro. Cada vez mais a tributação terá de incidir sobre fatos geradores sintéticos -como as transações financeiras e o consumo de insumos essenciais- do que sobre declarações analíticas de renda e consumo.

No setor imobiliário, haverá demanda maior de espaço cibernético (armazéns para atender a encomendas via Internet) do que para lojas de varejo. O armazenamento cibernético substituirá o arquivamento de papelório. E na sociedade de serviços, com a descentralização cibernética, os movimentos sindicais, baseados na manipulação de massas operárias em fábricas convencionais, tenderão a fenecer.

O atraso de toda uma geração brasileira pela política suicida de informática, nas décadas de 70 e 80, suscita reflexões sobre o nacionalismo. Sempre tive robusto desprezo pelos nossos "nacionalistas", porque ao contrário dos americanos, praticam um nacionalismo de rejeição e não de integração.

Quando, como diplomata, negociava acomodações financeiras para um país falido, enquanto Brizola vociferava contra o imperialismo americano, aderi à definição de Augusto Frederico Schmidt do nacionalista brasileiro: "É um calhorda que diz ao americano: me dá um dinheirinho aí seu cachorro imperialista!".

Depois adotei a definição mais mansa de que nosso nacionalismo é uma mistura curiosa de mania de grandeza com complexo de inferioridade. Hoje, na idade da engenharia genética, acho que nossos nacionalistas são a clonagem de um híbrido em cuja composição há 10% do genes do patriotismo, 30% do genes do ressentimento e 60% do genes de burrice.

A grande injustiça é que os visionários das transformações - os liberais como Eugênio Gudin e Octávio Bulhões - morreram com a pecha de vendilhões da pátria, enquanto os obscurantistas que promoveram as passeatas do "petróleo é nosso" ou da "informática é nossa" continuam arrotando patriotismo.

Na minha ótica, não são heróis da nacionalidade e sim turiferários do "imbecil coletivo".

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